Bactérias são cada vez mais resistentes aos tratamentos

12.º Ano BIOLOGIA - III. Imunidade e Controlo de Doenças

Antibióticos menos eficazes para salvar vidas
Bactérias são cada vez mais resistentes aos tratamentos
18.11.2009 - EXPRESSO.PT | Cristina Bernardo Silva e Vera Lúcia Arreigoso

Corbis

A E.Coli é uma bactéria do tracto digestivo resistente a alguns antibióticos

André não se lembra da primeira vez que voou num helicóptero. Estava inconsciente, a caminho do Hospital Dona Estefânia, com 20% do couro cabeludo. O violento ataque de um cão levou-o numa viagem da qual só regressou quase um ano depois. Durante o internamento, foi operado várias vezes para destruir uma bactéria e um fungo resistentes a medicamentos.

Com apenas sete anos, André viveu isolado no hospital durante meses com o osso craniano exposto para evitar a humidade e a escuridão favoráveis a estes organismos. Sobreviveu e entrou para a estatística de resistência a antibióticos que está a alarmar a Europa. Há cada vez mais casos de doentes com bactérias que resistem a quase todos, ou mesmo a todos, os medicamentos existentes.

Os dados mais recentes indicam que anualmente há perto de 400 mil casos multirresistentes, 25 mil dos quais mortais. "Na Europa registam-se já casos de resistência total a antibióticos, e estas infecções têm aumentado nos últimos anos", revela o conselheiro científico do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo da Doença (ECDC), Dominique Monnet. Portugal não foge à regra e estas situações não surpreendem os clínicos das maiores unidades de saúde do país. No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, "os doentes com bactérias resistentes a tudo são isolados nos Cuidados Intensivos e acabam por morrer", diz o infecciologista José Neves. O Expresso pediu à Direcção-Geral da Saúde dados sobre o número de casos em Portugal, mas os serviços afirmaram não ter capacidade de resposta em tempo útil para esta edição. O director da Urgência e Cuidados Intensivos do Hospital de São João, no Porto, José Artur Paiva, é taxativo: "É um problema mundial e a existência de um Dia Europeu do Uso Racional do Antibiótico - criado há um ano e que se assinala no próximo dia 18 - é disso exemplo".

Dados recentes do organismo europeu que monitoriza o consumo de antibióticos (ESAC) colocam Portugal em nono lugar entre os países que mais prescrevem antibióticos na União Europeia. "Cerca de 80% da prescrição em Portugal é feita pelos clínicos gerais, o que é normal, porque também são eles que fazem mais consultas", explica o médico dos Cuidados Intensivos do São João. O também consultor da DGS refere ainda que "há uma questão cultural": "As pessoas consideram que sair do consultório com um antibiótico é melhor do que sair sem medicação". O director do centro de saúde daquela zona do Porto, Alberto Pinto Hespanhol, garante que este ano "não há tanta pressão por parte dos utentes, talvez devido à gripe A. As pessoas sabem que os antibióticos não combatem vírus".

"Nos últimos estudos, Portugal não evoluiu favoravelmente porque os antibióticos prescritos são os mais caros, talvez devido a uma medicina defensiva", explica o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Mário Jorge dos Santos. Mas o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, garante que o uso dos antibióticos na alimentação animal contribui muito mais para as resistências nos humanos do que a prescrição médica. O veterinário Rui Sereno lembra que "o uso de antibióticos como promotores de crescimento em animais está proibido desde 2006. Além disso, os medicamentos permitidos estão sujeitos a receita e ao controlo do veterinário".

A ciência poderá recuperar as armas contra as bactérias se as farmacêuticas reapostarem na investigação de novos antibióticos (ver caixa). Mas muito provavelmente nunca será possível controlar totalmente o ambiente. "Nunca vai ser um mundo pacífico entre nós e os microrganismos. O problema é que o ambiente está sempre a mudar.

Salvam-se umas pessoas, mas as bactérias evoluem e o que nos salvava deixou de o fazer. É uma luta constante, é a vida", precisa a investigadora principal do Grupo de Biologia Evolutiva do Instituto Gulbenkian de Ciência, Isabel Gordo. A cientista, que se tem dedicado ao estudo destes microrganismos, ainda se surpreende: "É assustador pensar que existe a possibilidade de bactérias se alimentarem exclusivamente de antibióticos", como demonstra um estudo da revista "Science" publicado em 2008.

Os custos da resistência aos antibióticos são igualmente preocupantes. De acordo com Dominique Monnet, "rondam os €1500 milhões anuais - um número subestimado porque não foram tidas em conta todas as bactérias".

Sábado Nov 21, 2009 21:30 / netxplica.com

• Página 1 de 1